Computador x Homem

Por Raul Oliveira15/05/2008

Com o desenvolvimento de diversos softwares que analisam suas chances numa determinada situação, foi iniciado um debate que parece estar longe do fim. Jogar o que o software indica? Ou o que seu coração manda?

Eu particularmente, sempre fui adepto a decisões que façam com que no longo prazo eu me torne um vencedor, mas mesmo assim sou pego varias vezes me perguntando se não deveria ter esperado uma situação melhor para decidir um determinado torneio. O que é claro logo de cara é que o computador não tilta, não paga conta e muito menos está preocupado com seu bankroll e ainda e o mais importante não tem as informações sobre o adversário que no momento da sua jogada lhe passam pela cabeça.

Desde que comecei a jogar sempre me perguntei se seria possível um computador jogar melhor que o homem, até hoje não sei a resposta, mas tenho a certeza que melhor que a média ele joga. Logo se joga melhor que a média será um vencedor e segui-lo o torna um.

Para refletirmos sobre o assunto, abaixo vou contar duas entrevistas que vi e que se relacionam direto com ele. A primeira é de Johnny Chan perguntado sobre a estratégia a se seguir durante um torneio:

Segundo ele não existe uma estratégia certa, cada jogador deve jogar de acordo com sua expectativa em relação ao torneio, você pode estar pensando agora: todo mundo quer ganhar o torneio não? Sim, mas ele falou de expectativa e não de vontade. E o que ele quer dizer com isso é que suas jogadas devem ser definidas não só em função do que deve ser feito, mas sim em função do que deve ser feito para você alcançar seu objetivo, pode parecer um pouco absurdo, mas te garanto que dos 6.000 jogadores que participaram do main event esse ano, uns 5.000 jogaram com a expectativa de apenas figurar e com isso em diversas situações jogaram diferente do que a matemática indicaria, mas nem por isso jogaram errado.

Eu mesmo durante o torneio de 25k do Bellagio joguei fora um AK quando éramos 102 jogadores sendo que o premio era para os 100º primeiros colocados, na mão em questão Chip Jett um jogador famoso e que não estava preocupado com a figuração abriu um raise alto na posição de UTG, eu que estava no dealer, me deparo com um AK, em qualquer outra situação do torneio eu provavelmente teria voltado reraise ou no mínimo teria pago para ver o flop, mas tendo em vista que o premio para o 100º era de 43k e no momento faria uma grande diferença para o meu bankroll optei por dar fold e garantir a figuração. Ele ainda abriu suas cartas, um 88 que me deixou com a consciência tranqüila, tendo em vista a disposição de ir para embates que ele estava apresentando na mesa. Claro que matematicamente meu fold foi o erro e não seria indicado por nenhum software, mas tendo em vista meu objetivo naquela hora não condeno minha jogada. Afinal do 51º ao 100º o premio era o mesmo então passada a bolha eu jogaria tranquilamente o meu jogo, alem disso na bolha estávamos falando em $0 ou $43.000 situação que o computador não considera, já que claro ele não paga contas no fim do mês.

A segunda entrevista foi do Phil Helmult após sua eliminação num grande torneio entre os últimos 36 jogadores, na jogada em questão ele tinha QQ e foi batido por um JJ, num pote gigantesco em que Phil Helmut abriu raise e um jogador voltou um all in monstro, ele pagou e no river veio um J o eliminando.

Quando perguntado sobre a jogada ele com sua arrogância tradicional não pestanejou: “Joguei mal, eu tinha certeza que ele tinha JJ, mas eu não poderia ter dado 18% de chance de ele me tirar do torneio, afinal a minha mesa estava muito fácil e eu dobraria minhas fichas sem precisar ir para nenhum all in nela”

Apesar de ser um comentário bastante arrogante ele é muito interessante e sempre me fez pensar bastante no assunto. O que ele quer dizer é que em certas situações mesmo que víssemos que o jogo do adversário é pior que o seu, o all in ainda seria mal jogado já que sua chance de vitória em relação aos adversários no longo prazo é bem maior que a chance de vitória nessa mão. É claro que matematicamente o call seria a jogada certa nesse caso, mas o interessante é que nem sempre usar só a matemática será a jogada certa.

Penso que esse é um conceito importantíssimo para quem joga sit gos e multi-tables e deve ser muito bem entendido, saber separar a matemática de certas decisões é essencial para as jornadas nos grandes torneios.

Esses dois exemplos que usei penso que elucidam bem o conflito, Computador X Humano, já que nos dois casos as analises são 100% humanas e instigam o debate a prosseguir.

Eu não tenho nada contra os softwares, pelo contrario, acho que são importantíssimos e invejo quem os domina. O que aconselho é que não torne sua mente uma maquina e limite sua linha de raciocínio, trabalhe sim e muito o lado matemático e lógico das jogadas, mas não esqueça nunca que todos ao seu lado, assim como você, são humanos.

Artigo publicado na Revista Flop n.04