Múltiplos Níveis de Pensamento

Por Riverdale27

Estar apto a pensar em vários níveis é um conceito que todos os jogadores de poker devem ter. Quando se joga No-Limit Hold’em deepstacked o seu sucesso depende em grande parte deste conceito. Os melhores jogadores do mundo de xadrez entram na cabeça dos adversários e pensam 6 jogadas à frente. Estes jogadores são ganhadores consistentes. No poker o sucesso está também relacionado com este conceito. Você tem de entrar na cabeça do seu adversário e tomar decisões baseadas naquilo que pensa ser a sua linha de pensamento.

O que é o pensamento em vários níveis?

Não é mais do que uma técnica de entrar na cabeça do seu adversário. Pensar no que ele está pensando, no que ele pensa que você está pensando e por aí adiante. Como o nome sugere, existem diferentes níveis, e iremos analisar aqui os mais importantes.

Nível 0: Que mão tenho eu?

Este nível é o que todos os jogadores dominam. Sabem a mão que têm, que mãos batem a sua mão e que mãos conseguem bater com a sua mão.

Exemplo: Se tiver 5s 6s e a board for 7d 8d 4c Js Jd. Flopou um straight 8-high. Bate todos os jogadores com um par, 2 pares e trinca de valetes. Perde contra alguém que tenha um straight com T9, flushes, full house, poker ou straight flush.

Nível 1: O que tem o meu adversário?

Muitos jogadores já dominam este nível. O adversário faz uma grande aposta, daí que deva ter uma grande mão, ou se pede mesa no turn deve ter uma mão fraca. Deve analisar as acções do seu adversário, estabelecer o seu range e ver se o consegue bater.

Exemplo: Você está jogando online uma mesa full ring the cash game e um jogador supertight aumenta 4BB’s em MP pré-flop. Por sorte você tem o PokerOffice ou o Poker Tracker instalado no seu computador, e consegue ver que este jogador apenas aumenta 3% das mãos pré-flop. Este é um indicador de que ele deve ter algo do tipo JJ+, AQs+, AKs. Analisou as suas ações e agora tem uma ideia mais clara sobre aquilo que ele deverá ter nas mãos.

Nível 2: O que pensa o meu adversário da minha mão?

Aqui as coisas começam a complicar-se. Por sorte o seu adversário é também um jogador que “pensa o jogo”. Ali está ele, sentado do outro lado da mesa a analisá-lo. É necessário ter muita atenção nestas situações. O importante não é o que você faz mas sim o que o seu adversário pensa que você faz. Pense nos seus movimentos e tente imaginar o que interpretará o seu adversário dos mesmos.

Exemplo: Você é um TAG (tight-aggressive) e não aumenta potes onde não tenha uma boa mão. Imaginemos que está numa mesa de NL100 9-handed por meia hora e tem uma super run de cartas. Teve 2 vezes AK, QQ, JJ, AQ e uma vez AA. Você ganhou vários potes pré-flop, após aumentar os seus monstros ou então no flop fazendo uma aposta grande, nunca indo a showdown. Claro que você está a jogar como sempre joga, aumenta as mãos boas e folda o lixo, mas o problema é que os seus adversários, que o estão a ver pela primeira vez não sabem disso. Vêm-no como uma maníaco que aumenta todas as mãos e que continua a mandar barris pós-flop. Ainda não viram nenhuma das suas mãos e têm mais do que motivos para acreditar que você é um maníaco. Aí você recebe Kh Qh em LP e depois de toda mesa foldar você aumenta para $4. Todos foldam menos a BB que faz re-raise para $12 (tem jogado tight). Em circunstâncias normais você foldaria a sua mão, mas o que pensará o seu adversário? Acabou de o ver aumentar muitas mãos consecutivamente e não está respeitando o seu raise. Já deve estar farto da sua agressividade e decidiu ensiná-lo a ter juízo: “Não vou deixá-lo roubar os blinds!”. Enquanto que em circunstâncias normais deveria foldar a sua mão pois o adversário deveria ter algo como AK ou QQ+, devido ao que mencionei, o call é mais do que aceitável. O seu adversário fará aquele movimento com ATs, QJs, 22 ou mesmo com 57s. O range aumenta porque ele pensa que você está mais uma vez a tentar roubar o pote, daí que o seu KQs não deverá estar atrás.

Nível 3: O que pensa o meu adversário que eu penso que ele tem?

Ok, talvez você teve que ler o título duas vezes. Parece complicado mas na verdade é bem simples. Os seus adversários pensarão como é que você interpretará as suas ações e em que range o deverão estar. Este terceiro nível de pensamento, foca-se sobre a maneira como os seus adversários pensam que você interpreta as suas (deles) ações.

Exemplo: Está relativamente deep num torneio e é um dos big stacks da mesa. Em MP está sentado um bom jogador, embora short stack. Esse jogador é bom e inteligente, já foi all in algumas vezes mas não foi pago. Ele necessita desesperadamente de fichas, pois os blinds e os antes estão destruindo seu stack. Os blinds estão a 400/800 e ele tem 7,400 fichas. Todos foldam até ele, que em LP aumenta para 1,600. É estranho, ele aumenta 1,600 quando umas jogadas antes foi all in direto. Para juntar “à festa” está short, o que faria com que ele “tivesse obrigatoriamente” de fazer push com uma boa mão. Podemos concluir que ele quer jogar uma mão como AA ou KK e você está a ponto de foldar o seu 8c 8h. Mas espere um minuto. O seu adversário não é idiota. Desta vez ele apenas raisou 2 BB’s, e isso parece-nos estranho. Sendo ele um bom jogador e sabendo que você também pensa bastante antes de tomar uma decisão, ele quer que pense que tem AA ou KK e é por isso que fez mini-raise, fazendo parecer que quer mesmo um call. Ele está pensando num segundo nível: ” Se fizer mini-raise ele vai pensar que tenho um monstro, folda, e eu ganho os blinds.” Contudo você pensa num terceiro nível e: “Ele pensa que vou foldar porque penso que ele tem um monstro e só fez mini-raise”. Mais uma vez está um passo à frente do seu adversário, e faz re-raise all in. O adversário olha para si de lado e acaba por foldar.

E podemos continuar…

O 4º nível seria: ” Que mãos pensa o meu adversário que eu penso que ele pensa que eu tenho”. Podemos continuar assim com o 5º nível, 6º nível e por aí adiante. O importante a reter é que deve sempre saber como pensa o seu adversário no nível anterior. Daí que o 3º nível seja sobre como pensa o seu adversário em 2º nível. É esta maneira de pensar que separa a elite do poker do resto do mundo.

Quando e em que nível pensar?

Na maioria das situações pense apenas no 1º nível. Em potes pequenos e decisões rotineiras você decidirá automaticamente o que fazer. Sabe o que tem nas mãos e tem uma ideia do que o adversário pode ter. Para jogar uma mão standard isto é perfeitamente suficiente. Pensar nos primeiros níveis é suficiente quando se joga contra jogadores que pensam pouco ou contra jogadores que nem pensam. Por vezes você tem nuts e alguém vai all in, ou você tem 5BB’s e recebe Ah Kh. Nestas situações só precisa do nível zero de pensamento, ALL IN! Muitas outras decisões são tomadas no nível 1. Imaginemos que tem 9h 9c no botão e o jogador UTG aumenta o pote. Tem de analisar bem a sua mão, mas a sua decisão terá de ser tomada com base naquilo que o seu adversário tem, ou seja, nível 1.

Por vezes estas situações requerem um bocado mais de atenção/pensamento, em especial quando se está a jogar No-Limit deepstacked. É importante ter atenção porque os jogadores deverão dar ação no flop, turn e river. Muito importante também é que você pense apenas um nível acima do seu adversário. Se ele apenas pensar nível 0, não é +EV pensar nível 2. Isto porque o seu adversário apenas pensa nível 0 e não sabe sequer o que é o nível 2. Estes adversários jogam apenas as suas cartas e nem fazem ideia do que você possa ter, não perca tempo pensando no que eles pensam que você pode ter. Desde que consiga pensar um nível acima dos seus adversários será sempre (ou quase) o grande vencedor da mesa. Mas atenção! Se estiver pensando no nível 2 e pensar que um jogador está blefandor e após dar o call vê nuts nas mãos dele, deverá perguntar-se se ele não estaria a pensar um nível acima do seu.

É uma autêntica guerra psicológica, e é isso que faz do No-Limit deepstack um grande jogo. Não precisa de pensar sempre em nível 3, apenas num nível acima do seu adversário e terá edge sobre a mesa.

Ilustração: Ivey vs Jackson

O vídeo do YouTube abaixo do texto mostra uma grande batalha psicológica entre Phil Ivey e Paul Jackson. Ivey tem uma liderança de 4:1 em fichas, aumenta pré-flop com Qh 8h e Jackson dá call com 6s 5d. O flop é 7c Jc Jd. Ambos os jogadores erram o flop por completo e começa a batalha pelo mesmo.

Ivey apostou no flop, standard bet, apenas para ver como Jackson reagia. Ivey está a pensar em nível 1: “Ele não tem nadinha, vou apostar”. Jackson responde com raise porque pensa: ” O Ivey sabe que eu não tenho nada e por isso apostou”. Jackson já estava a pensar em nível 2, logo à frente de Ivey.

Agora a ação volta a Ivey outra vez, que faz re-raise. Está agora a pensar em nível 3. Ivey está a pensar: “O Jackson sabe que eu sei que ele não tem nada e por isso fez re-raise.” Agora Jackson faz re-re-raise! Jackson está agora a pensar em nível 4: “Ele sabe que eu sei que ele sabe que eu não tenho nada.”

Após isto, Ivey atingiu o próximo nível e foi all in esmagando Jackson neste jogo psicológico. Pessoalmente acho que Ivey foi all in porque o re-re-raise de Jackson foi muito estranho. Se alguém aposta, você aumenta, e recebe um re-raise, normalmente ( e com a stack de Jackson) iria logo all in. Se Jackson tivesse ido all in logo após o re-raise Ivey, provavelmente poderia ter levado o pote.

Conclusão

Como pode ver, este tipo de pensamento pode ajudar bastante quando joga deepstacked. É importante perceber a forma como o seu adversário percebe para poder ajustar as suas decisões. É uma guerra psicológica, e aquele que mais “alto” pensar será o vencedor.