Rico… Agressivo… Kruel!

Por Lea Dorf13/11/2005

Fotos: Eduardo Monteiro para a Revista VIP (setembro de 2005)

Christian Kruel tem apenas 26 anos e já é o brasileiro mais bem-sucedido no Poker mundial. Seu objetivo: estar entre os melhores e mais famosos jogadores do mundo

No filme Cartas na Mesa, de John Dahl, o personagem de Matt Damon, jogador apaixonado por Poker, é salvo da bancarrota por um de seus professores, o juiz Petrovsky, interpretado por Martin Landau. Numa mesa de bar, Mike McDermott (Matt Damon) questiona Petrovsky sobre sua opção de abandonar a escola de rabinos para tornar-se juiz: “Se você tivesse que fazer tudo novamente, faria as mesmas escolhas?” Petrovsky responde: “Que escolhas? O último ensinamento que aprendi antes de cair fora da Yeshivá (escola para estudo da Torá judaica)foi isso: ‘Não podemos fugir de quem somos. É o destino que nos escolhe’”. Quando Christian Kruel escutou pela primeira vez essas palavras, com 21 anos, seus olhos brilharam. Ele e Raul Oliveira, seu parceiro e melhor amigo, tinham acabado de assistir ao filme – pela terceira vez no mesmo dia. Eles estavam enfeitiçados. “Kruel age como o personagem de Matt Damon. Tem a mesma coragem, a mesma gana, o mesmo gosto pelo desafio”, define Raul. Os dois, que na época já eram campeões de gamão, imediatamente entraram no Google para buscar sites de Texas Hold’em, a modalidade do filme e a mais jogada atualmente. Ali começava a história de Christian Kruel no mundo do Poker, o jogador que, com 26 anos, é o brasileiro mais bem posicionado nos rankings internacionais – e aquele que vem ganhando mais dinheiro com isso no país.

Kruel veio do gamão, onde amealhou vários títulos durante a adolescência. Quando tinha 14 anos, acompanhou seu pai num campeonato de gamão e resolveu participar de seu primeiro torneio. Foi campeão. “De repente eu era campeão brasileiro de iniciantes. Fiquei me achando. Mas meu pai não queria, dizia que eu era muito novo, então fiquei três anos sem jogar”, diz ele. Mas, como Mike McDermott, Kruel não pôde fugir de sua sina por muito tempo. Com 17 anos estava de volta ao gamão, para desgosto de seus pais. Ele já havia conquistado cinco vezes o primeiro lugar em campeonatos brasileiros quando, numa semifinal do mundial que aconteceu no Rio de Janeiro, conheceu o amigo inseparável, Raul Oliveira. Logo os dois varavam madrugadas juntos, fazendo seu pé-de-meia em sites de gamão como o GamesGrid.com e o NetGammon.com.

O timing não poderia ser outro. O ano era 1997, a internet se fortalecia no Brasil e no mundo. Pipocavam sites de jogos online, e a vedete era o gamão, que já plugava milhares de internautas por horas a fio. Kruel já não vivia mais sem seus ganhos no gamão e se dividia entre o trabalho no Jockey Club sete dias por semana, a faculdade de economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o gamão e o namoro. No Jockey, desenvolveu o site de apostas em cavalos, hoje o maior da América Latina. “Eu queria ser campeão mundial de gamão, viajava direto, ninguém aturava. Perdi várias namoradas.” A coisa ficou mais complicada depois do episódio Cartas na Mesa, quando Kruel ainda teve de abrir espaço para o Poker online. Na sua agenda e na conta bancária – durante seis meses, tudo o que ganhava no gamão ele perdia no Poker. “Na primeira vez em que joguei, perdi 500 dólares em 15 minutos. Blefei uma mão atrás da outra”, lembra Kruel, com um sorriso nostálgico.

Na época, ele pensou em abandonar o Poker, mas Raul o convenceu a continuar. Kruel ficou. Em seis meses, começou a ganhar de 4 a 5 mil dólares por mês com o Poker. Ele tinha 22 anos. Decidiu largar o emprego no Jockey e a faculdade para viver do jogo. “Meus pais ficaram chocados. Perdi a namorada. Vivia trancado, estudando e jogando Poker. Não saía mais de casa.” A mudança levou Kruel a engordar 12 quilos em seis meses e desenvolver síndrome do pânico. Recorreu a um psiquiatra, mudou de casa e começou a malhar. Ele conta que, depois que adotou uma vida mais saudável, seus resultados no Poker melhoraram muito, até chegar a uma média de 10 mil dólares mensais, há cerca de quatro anos. Kruel não revela os valores atuais. “Optei pelo Poker quando Raul me mostrou que não dava pra ganhar dinheiro de verdade com o gamão. Se chegasse a ser campeão mundial em Monte Carlo, ganharia 100 mil dólares. Isso não resolve a vida de ninguém, não se você é um cara muito ambicioso. E eu sempre quis ter dinheiro.”

Dinheiro, claro. Naquela época, as finais mundiais de Poker já davam prêmios milionários e atraíam hordas de novos jogadores, muitos vindos da internet. Em Las Vegas, o valor do prêmio máximo do World Series of Poker (WSOP), o mais tradicional e prestigiado campeonato da modalidade, não parava de crescer. Depois de uma década estacionado em 1 milhão de dólares e uma centena de inscritos, o prêmio dobrou de valor várias vezes, até chegar a níveis nunca vistos em 2005. No total, 5,6 mil pessoas se inscreveram na etapa final deste ano, na modalidade No Limit Hold’em. Para isso, é necessário desembolsar 10 mil dólares – ou classificar-se em um torneio-satélite na internet ou ao redor do mundo. Esse foi o caso de Kruel e um punhado de outros brasileiros que disputaram a final em julho deste ano. O vencedor, Joseph Hachem, um até então desconhecido australiano, levou 7,5 milhões de dólares. Para você ter uma idéia do tamanho dessa fortuna, as três vitórias de Guga em Roland Garros somadas dão 1,83 milhão de dólares. O motivo de tantos milhões é um só: quanto mais inscritos, maior o valor do prêmio.

Kruel viu de perto a explosão mundial do Poker, principalmente na internet. Em 2000, quando ele começou a jogar no PartyPoker.com, o maior site de Poker online, tinha em seu monitor 800 adversários. Hoje, são mais de 80 mil jogadores nos horários de pico. Traduzindo: um número dez vezes maior em apenas cinco anos. Ele lembra que, quando começou, os torneios mais caros custavam 100 dólares a inscrição. Só uns poucos ousavam participar. Hoje, há campeonatos de até 5 mil dólares. Só assim dá para acreditar nos valores que o Poker na internet movimenta hoje. Segundo o site de estatísticas PokerPulse.com, o estimado 1,8 milhão de jogadores online movimenta hoje incríveis 200 milhões de dólares diariamente. Doze vezes mais do que há meros dois anos.

Além do boom da internet, também foi decisivo para a popularização mundial do Poker o início das transmissões de programas pela televisão. Em 2003, foi criado o World Poker Tour (WPT), um circuito de torneios transmitido semanalmente nos Estados Unidos pelo Travel Channel. Os programas, com cara de reality show, mostram as cartas dos participantes e deixam o telespectador participar da jogada, torcer, frustrar-se e aprender os macetes dos campeões.

A modalidade transmitida era, claro, o No Limit Texas Hold’em, mais ágil e excitante que o tradicional Poker fechado. No Hold’em, cada jogador pode combinar as duas cartas que recebe com cinco outras, abertas na mesa, comuns a todos. As apostas, como o nome diz, são ilimitadas. Se o jogador sentir uma mão vencedora, pode anunciar “all in” e apostar todas as suas fichas. O dinamismo do jogo e os prêmios milionários transformaram as etapas semanais do WPT na TV em sucessos de audiência no mundo inteiro. Também ganharam milhões de adeptos, inclusive no Brasil, as transmissões das finais do World Series of Poker, exibidas pela ESPN.

Hoje, chegar à final de uma etapa do WPT – e aparecer na TV – é a cobiça de todos os jogadores, de iniciantes a grandes campeões. Também é o sonho de Kruel, que este ano chegou bem perto de realizá-lo. Ele ganhou num torneio-satélite a inscrição de 8 mil dólares para participar da etapa em Bahamas, em janeiro. “Esta foi a viagem em que ganhei mais dinheiro com o Poker”, diz ele. “E foi também onde joguei minha mesa mais marcante.” De óculos escuros, plugado em seu iPod, Kruel venceu 470 inscritos e conseguiu chegar à cobiçada mesa final, formada por nove finalistas. Ele estava entre os melhores do mundo, frente a frente com ídolos como Daniel Negreanu e Phil Ivey. Saiu em matérias do New York Times, começou a ser citado em milhares de sites. Mas ainda não era suficiente. Ele queria estar na chamada WPT final table, que é transmitida pela televisão e mostra só os últimos seis jogadores.

Tentando um blefe, foi eliminado em oitavo lugar. “Ninguém jogava uma mão, todo mundo queria ser um dos seis finalistas”, conta ele. Para tirar proveito das pessoas que estavam travadas, Kruel fez uma jogada para tentar roubar os pingos e ganhar um bom número de fichas. Cada jogador começa com 10 mil fichas. Kruel estava com 270 mil, contra 1 milhão do líder. Com um oito e um quatro na mão, um jogo fraco, e vendo que a maioria dos outros jogadores havia saído da rodada, Kruel decidiu blefar. Dobrou a aposta para 56 mil fichas. O líder do torneio pagou a aposta e ficaram só os dois. O flop (as cartas da mesa) foi um ás, uma dama e um dez. O líder pediu mesa e Kruel então deu “all in”, apostando tudo o que tinha – e rezando para seu adversário não ter nada na mão. Mas ele pagou imediatamente a aposta e eliminou Kruel, com dois pares de ás com dez.

“Fiquei três dias sem dormir”, lembra ele. Nem os 80 mil dólares de prêmio o consolaram. “Eu não estava nem aí para o prêmio. Para mim, fazer a mesa final do WPT era sem dúvida mais importante do que ganhar o milhão de dólares do primeiro lugar. Mais ainda, ganhar um campeonato grande e sair na capa da Card Player. Depois disso, posso até morrer.”Esse episódio ilustra bem o estilo de Kruel. “Ele estudou muito, é muito dedicado e extremamente agressivo. Quer ser o melhor do mundo”, resume Raul Oliveira. Essa postura já rendeu rixas com outros jogadores, principalmente em São Paulo, onde ele coleciona alguns desafetos e muitas vezes é visto como arrogante. “É inveja”, defende-se ele. “Joguei na mesa com Kruel este ano. Nunca tinha visto um jogador tão agressivo”, completa o paulistano Eric Mifune, que ficou em 225º lugar no WSOP deste ano (o melhor resultado entre os brasileiros) e faturou 33 mil dólares. “Vamos fazer uma trégua nessa rivalidade entre Rio e São Paulo. Os cariocas virão para cá para participar de um torneio entre os jogadores top do Brasil. Queremos ver quem é o melhor do país.”

Kruel não gosta de dizer se é o melhor, mas afirma sem pestanejar que é o mais bem posicionado. “Sou o único nome brasileiro conhecido lá fora, estou há mais tempo no circuito e com certeza ganhei mais dinheiro e resultados”, diz ele. É verdade. Desde o ano passado, o jogador amealhou 184 mil dólares em torneios fora do Brasil. Só em 2005, seus ganhos na internet somaram outros 120 mil dólares. Kruel vive o Poker 24 horas por dia. Se não está jogando, estudando ou planejando uma viagem para um torneio, está gastando o dinheiro ganho nos jogos. Ele é um dos únicos jogadores profissionais de Poker no Brasil hoje. Joga 10 horas todos os dias. “É um emprego como outro qualquer”, diz ele. Mais ou menos.

O escritório é uma sala escura em seu flat na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde impera um moderno computador com duas telas enormes. A partir das 13h, quando ele acorda e começa a jogar, ficam permanentemente abertas no mínimo quatro janelas de Poker online, além de seu site sobre o assunto, o ClubeDoPoker.com, e o MSN Messenger, pelo qual se corresponde com 150 amigos, fãs e “colegas de trabalho”. Kruel participa de mãos de 200 dólares como se estivesse jogando paciência. Ganha a maioria, geralmente com os pés pra cima e um DVD do Coldplay ou U2 tocando em altíssimo volume. No sofá, um laptop Sony Vaio (também com tela grande), sua ferramenta de trabalho em viagens. Atrás, repousam esquecidos numa prateleira seus vários troféus conquistados no gamão. “É uma pena que Poker não dá troféu”, diz Kruel.

Muitas vezes ele almoça lá mesmo, geralmente congelados light ou comida de delivery. Às 17h, religiosamente, vai treinar na academia com seu personal trainer. Às 20h, recomeça tudo de novo, e a jogatina vai até 1h ou 2h da manhã. Kruel é também o único brasileiro citado no ranking da Card Player, maior revista de Poker, na qual atualmente ocupa a 144ª posição, depois da performance fraca no WSOP deste ano. Ele já chegou a ser o 38º do mundo. Quer se recuperar e fechar o ano entre os 20 melhores. Fôlego é o que não falta.

VOCÊ TAMBÉM PODE SE DAR BEM NO POKER

Kruel explica o que é necessário para mandar bem na mesa de Poker…

1 – Ter muita paciência
2 – Ter frieza e postura, não demonstrar emoções
3 – Usar os adversários como arma: entender como eles jogam e “ler” suas atitudes
4 – Jogar com disciplina, mas saber ser agressivo na hora de agir
5 – Nunca jogar um jogo acima do que seu dinheiro permite

… e o que é fundamental para ter sucesso nos jogos de Poker online:

1 – Ter ainda mais paciência e disciplina, principalmente em jogos baratos: deixar seus
adversários errarem antes
2 – Ter controle emocional: sozinho, em casa, é mais fácil extravasar e perder qualidade em
seu jogo
3 – Acreditar na legitimidade do jogo online, não jogar a culpa das derrotas nos sites
4 – Saber jogar dentro de suas possiblidades financeiras: o jogo online é três vezes mais
rápido do que numa mesa de Poker
5 – Mesmo jogando online, saber impor seu estilo de jogo com personalidade

KRUEL INDICA:

Três livros de Poker:
• The Theory of Poker, de David Sklansky
• Tournament Poker for Advanced Players, de David Sklansky (avançado)
• Super System II, de Doyle Brunson
(todos em inglês, disponíveis no site Amazon.com)

Dois sites de Poker:
• https://www.clubedopoker.com/ – Site em português desenvolvido por Christian Kruel e Raul de Oliveira, com tutoriais e dicas de Poker para inciantes e avançados.
• http://www.cardplayer.com/ – Site em inglês da revista americana Card Player sobre o cenário mundial do Poker, com rankings e calendários mundiais

Os dois principais campeonatos da modalidade:
World Series of Poker
World Poker Tour