WPT San Jose – Parte I

Por Christian Kruel14/03/2006

Bom, conforme anunciado, segue o prometido texto sobre a Etapa do World Poker Tour de San Jose, CA no Bay 101. Resolvi escrever sobre ele porque este era um torneio que eu não conhecia ainda e que, com certeza, a partir deste ano vai fazer parte do meu calendário anual!A cidade de San José é bem bonita e tem bastantes opções de lazer. O Bay 101 não é um salão enorme de poker, mas é bastante razoável para acomodar o limite de 500 participantes nos eventos WPT.

O grande atrativo desta etapa do WPT está no “Shooting Stars”, ou seja, prêmios de US$ 5,000 em cash para quem eliminar uma das 50 estrelas escolhidas pelo Staff do WPT, que são de fato os “top players” do mundo! Fora isso o Chip Leader dos dias 1 e 2 também leva US$ 10,000 em cash! São realmente bons atrativos para os jogadores, sem contar com a experiência garantida de “cruzar” com os melhores do mundo pelo torneio, como foi meu caso com Doyle Brunson e Gus Hansen.

Vamos agora falar do torneio em si:

Como na grande maioria dos eventos WPT, este torneio começava com 10.000$ fichas e com blinds em 25-50. Ou seja, um “gramado” lindo e perfeito para quem quer jogar e desenvolver um bom poker. Pode-se jogar com amplitude e programar o seu estilo para diversas jogadas e não apenas uma. Na minha opinião, os torneios deste nível, no longo prazo, tem entre seus melhores jogadores aqueles que fazem maior número de mesas finais, se expondo no MENOR número de all-ins possíveis, principalmente em blinds baratos! Ou seja, aqueles jogadores que vão construindo seu “stack” de fichas lenta e gradualmente durante cada level da competição.

Sendo assim, às 11 am do dia 17 de fevereiro, no meio do carnaval brasileiro, começava mais uma etapa do WPT e mais uma vez pelos primeiros momentos, aquela sensação de “frio na barriga” predominava. Tudo pelo que batalhei na vida, a minha realização em jogar cada torneio, a possibilidade de ser o novo campeão mundial, a cobrança forte que tenho e sempre tive sobre meus resultados e o fato de olhar para o salão e ver todas aquelas feras, de fato, por alguns momentos iniciais, desviam minha concentração de jogo e deixa dominar em mim uma sensação completamente emotiva e difícil de pôr em palavras.

Passado todo esse clima de “início” de torneio, foco seriamente no jogo e começo a analisar os adversários da minha mesa, um a um. O seat 5 da minha mesa era nada mais nada menos que a lenda Doyle Brunson, todas as mesas no seu seat 5 inicial tinham um top star do poker!

O “fator” Doyle Brunson, autor da bíblia do poker, Super System, fez aumentar ainda mais a tensão na minha mesa, pois ele é com certeza um dos jogadores que mais atrai mídia. Então, a mesa estava cercada por câmeras e filmagens o tempo inteiro!

Cartas na mesa, ao contrário do que se pode pensar, meu início de torneio foi muito difícil. Eu perdi duas mãos no river com apenas 2 e 1 outs que fizeram com que meu stack inicial caísse rapidamente para cerca de 4000$ fichas. Vejam como:

Com blinds em 50-100, um adversário com estilo “tight” abre raise 350$ em uma das primeiras posições da mesa. Eu olho para as minhas cartas e vejo AJ, resolvo pagar o raise e temos o flop:

8 8 J

Um ótimo flop, provavelmente, pois eu tinha “top pair” com o melhor kicker!

Meu oponente dá bet 600$. Buscando sentir contra que tipo de jogo meu adversário se encontrava, rapidamente dei raise para um total de 2100$. O jogador pensa e resolve completar.

No turn temos um 4 gerando duas cartas de espadas no bordo. Ele abre check e eu penso por um instante – continuo achando ter o melhor jogo e disparo 2500$. Nessa altura eu achava que meu oponente tinha KJs, QJs ou um TT e, na pior das hipóteses, 99. Eu estava ignorando a possibilidade de ele ter um 8, por questões subjetivas ali do jogo, pois analisava muito a expressão de cada jogador durante as jogadas.

O oponente pensa, olha para o teto me analisa profundamente e dá call nas 2500$ fichas.

Continuava assim, confiante na minha intuição, temos agora o river e ele é um 3 de ouros.

Surpreendentemente meu oponente fica com a cara um pouco vermelha, pensa, pensa e resolve disparar 3200$ fichas, rapidamente dei call, pois poderia ser facilmente um “bet de desespero”, um 8 (onde eu estaria perdendo) e só. Não conseguia pensar alguma forma na qual aquele 3 ajudasse meu adversário. Para minha surpresa, meu oponente abre 33, full house de 3 com 8, WOW!

Como esse cara vinha me pagando de 33 na mão?! Assim, minhas fichas que estavam em torno de 12,000$ – por alguns pequenos potes que havia ganho logo no início – agora estavam em apenas cerca de 5300$, com uma jogada de muito azar e que prova que, mesmo em torneios de grande porte como esse, existem MUITOS jogadores amadores, pois essa jogada fala por si própria!

Depois de uma mão como essa a gente precisa ter muito controle emocional e manter-se estável, sem deixar com que a jogada diminua a qualidade do seu jogo daquele momento em diante! Eu optei por levantar um pouco, ir ao banheiro, dar uma respirada e comprar uma coca-cola por cerca de 5 minutos.

Segue o torneio e, sem entrar em muitos detalhes de cada jogada, eu consegui acumular umas 2300$ fichas com jogadas de “posição”, ou seja, quando era ou último ou um dos últimos a falar na jogada e assim tirava proveito disso com flops que não pareciam ajudar meus adversários. Assim, voltava para uma cerca de 8000$ fichas e os blinds agora se encontravam em 75$-150$, quando a seguinte jogada acontece:

Um senhor, que havia acabado de ser movido para minha mesa, senta no “seat 4” e logo entra abrindo raise 500$, eu olho e vejo KQ nas minhas cartas e resolvo jogar um flop contra o novo adversário e sendo agora o último a falar, já que nenhum oponente atrás entrou na jogada.

Temos o flop:

K J 7 – rainbow

Ele larga disparando 1200$ e dessa vez optei por não dar raise! Por quê? Nesse caso, como não conhecia meu adversário achei que tinha pouco “value” o raise, enxerguei da seguinte forma: se estou ganhando aqui, meu raise só será pago as vezes que meu oponente estiver com um jogo melhor que KQ. Se eu tivesse AK, eu daria raise, entendem? Vocês podem estar pensando: então por que no primeiro exemplo o CK deu raise com AJ? Porque ali existiam KJs e QJs que, a meu ver, naquele momento dariam algum “value” ao meu raise – sem contar que cada jogada tem uma subjetividade absurda e que mixar seu estilo de jogar também faz parte de um bom torneio!

Voltando a este exemplo, meu adversário larga disparando 1200$ e eu dou call com KQ num bordo KJ7 rainbow… O turn traz um outro J, agora temos KJ7J e eu dois pares de rei com valete. Mas meu oponente não pensa e aposta 2300$. Segui o mesmo raciocínio: se ele estivesse blefando meu call só alimentaria o seu blefe! E isso seria bom! No river temos uma Q e agora temos: K J 7 J Q e eu com “top two pair”, seria isso BINGO ou não? Meu oponente declara all-in que era cerca de 2500$ fichas a mais para mim e eu logicamente rapidamente dou call! Para minha “surpresa” meu oponente abre QQ, full house de Dama com valete e agora 1 out! Derrubou-me no river, WOW! Bom tudo indicava que mais uma vez “lady luck” não estava do meu lado e restavam para mim apenas 2700$ fichas para tentar fazer alguma coisa!

Para minha sorte, logo após essa jogada entramos num break de 15 minutos de descanso e pude assim botar a cabeça no lugar – se é que isso era realmente possível naquela hora!

Voltando ao jogo, entramos em blinds de 100-200 com ante 25 e logo na 2ª mão me deparo com AQ de copas. Um adversário abre raise 700$ e eu, sem pensar muito, declaro allin. Meu oponente rapidamente paga e mostra JJ , o flop vem :

K J T e Bingo ! Flopei seqüência máxima, e o turn e river não ajudaram a trinca do meu adversário. Consegui assim, voltar para cerca de 7200$ fichas, quando para surpresa e desespero da mesa, O dinamarquês Gus Hansen se move para o “seat 2” e senta com cerca de 26,000$ fichas, perdendo naquele momento apenas para Doyle Brunson que já tinha cerca de 50,000$ ! WOW que mesa!

Antes de começar a contar as histórias com Gus Hansen, quero falar um pouco a respeito de como Doyle havia jogado até aquele momento na minha mesa, já que em nenhum momento mencionei uma jogada com ele.

Doyle foi muito simpático e conversava bastante com todos durante o jogo. Ele mencionou por alto que seu estilo de jogo seria um pouco mais “tight” no torneio, tendo em vista o atrativo de 5k em cima das estrelas! O que não deixa de ser uma justificativa bem razoável! Mas o fato é que nesse início de WPT Doyle estava literalmente com “lady luck” ao seu lado, o que faz parte do jogo! Ele fez umas 3 trincas e dois AA que o levaram sem muito esforço de 10 a 50,000$ fichas em cerca de 4-5 horas de jogo!

E o fato é que agora não tínhamos só o Brunson com fichas e sim Doyle e Gus na minha mesa “turbinados” de ficha e disposição para o título!

A situação era a seguinte: blinds de 150-300 ante 25, average quase em torno de 14,000$ fichas, eu com no máximo 7500$ e dois top stars do poker tomando conta da cena e atraindo quase toda mídia para a nossa mesa! Se eu ficasse parado e esperando “lady luck” bater na minha porta, provavelmente eu ficaria pelo meio do caminho. Decidi que meu estilo mais do que nunca seria igual à internet e se fosse para sair seria pelo menos numa jogada decente numa mesa duríssima!

Nas 4 primeiras mãos, que acontecem na mesa, agora com Gus Hansen, ele rouba a cena e leva simplesmente as 4 seguidas, 3 no pré-flop e uma com um bet forte no flop! Na mão seguinte eu seria Big blind e sabia que se chegasse até o Gus em fold ele abriria raise com certeza! Não deu outra. Chegou em fold e ele abriu raise 1100$. Todo mundo deu fold até meu big blind, que era um J5. Sem pensar, eu declarei “im Allin” para o gus, dando assim meu “welcome to the table” para ele e tentando mandar o recado de que ele não controlaria o jogo tão fácil quanto ele esperava. Para meu alívio depois de pensar 3 minutos ele deu fold e eu cometi um erro, que foi mostrar minhas cartas! Eu não agüentei ao apelo de tantos fotógrafos e câmeras na mesa e dei meu “show time”, mas no geral isso não vale a pena, pois você só perde o respeito que pode ter construído durante todas as outras horas de jogo, em minha opinião! Hansen ficou avermelhado e segui em diante. Haha, foi divertido esse momento.

Assim, “respirei”, indo para cerca de 9000$ fichas novamente e minha motivação havia mudado. Consegui superar os outros bad beats e resolvi que dali em diante seria outro torneio e outro desafio – não deixar o Gus dominar o jogo!

Alguns “folds” depois me envolvi e uma outra mão novamente contra Gus Hansen! Ele abriu raise 1100$ e eu dei call de Q J, tendo “posição” na jogada, o flop abriu:

9 8 7 – duas de ouros! Gus logicamente largou dando bet 2400$, e eu pensei “se esse flop o ajudasse, acredito que ele provavelmente teria dado check em busca de um check-raise e eu tinha dois overcards e um gut shot para seqüência com o Dez, sem contar o backdoor flush com duas de ouros, que também poderia me ajudar”! Fora isso eu seguia ABAIXO do average e isso me forçava a ser agressivo, ainda mais em cima do Gus! Sendo assim dei raise total de 8100$ , deixando apenas 1000$ fichas restantes em meu stack! Foi um raise expressivo e que parecia mostrar força! Hansen mais uma vez pensa e entrega a mão novamente! 2 x 0 para mim e quase 13,000 em fichas!

Os blinds mudaram para 200-400 com ante 50 e eu havia caído novamente para 9000$ fichas, entre pingos e antes em duas pequenas jogadas perdidas. Novamente Gus abre raise. Só que agora raise 1600$ fichas, eu me deparei com AJ paus e me encontrava já pressionado pelo Average do torneio e com uma boa mão, especialmente quando o adversário é Hansen! Sendo assim, delarei all in! Todo mundo dá fold, Gus abre um sorriso e rapidamente dá call, e mostra QQ! Parecia que ali acabaria mais um WPT, quando vem o flop:

A T 9 e com duas de paus ainda! Bingo! Dei uma sortezinha e agora possuía um bom stack novamente com quase 20,000$ fichas, QUE ALÍVIO!

Não muito longe dessa mão, outra jogada curiosa ocorre entre eu e Gus. Ele novamente abre raise 2100$, pois agora já nos encontrávamos com blinds de 300-600 e eu olho AQ de ouros na mão. Pensei em dar re-raise pré-flop, mas como eu e Gus já havíamos nos deparado bastante, eu optei por um flop barato e levar a mão depois como havia conseguido antes, sem contar com a chance de conseguir ferir o Hansen num flop favorável, cartas na mesa, temos:

K J 7

Excelente Flop! Eu tinha possibilidade de royal straight flush! E no MÍNIMO 12 outs a meu favor, o que é bem razoável! Resolvi que iria jogar essa mão de uma maneira “slow”, ou seja, iria deixar Gus tomar partido para assim ir por cima independente das cartas do turn ou river!

Gus abre check, e eu rapidamente dou check também! O turn vem 5 – nada mudava e nem me ajudava. Hansen novamente abre check e eu NOVAMENTE dou check. Notem: foi um estilo extremamente subjetivo nessa jogada que optei. Eu estava confiante na mão e queria me prevenir de um check-raise do Hansen, pois ele poderia estar armando isso contra mim, pois ele já havia percebido que eu era agressivo, mas isso não quer dizer que a maneira em que joguei é a 100% correta!

O river vem com outra carta baixa agora um 3 sem muita força de espadas. Agora sim, Hansen prepara o seu bet. Arruma as fichas e dispara 3700$. Pelo jeito que ele impôs suas fichas, diferente de quando ele realmente tinha uma mão, eu juro que tinha certeza que o 3 não o ajudou e muito menos que o bordo era bom para ele, sendo assim confiante dei raise 9975$ fichas! Ele parece não acreditar que mais uma vez eu havia dado raise na sua cara. Mas dessa vez ele nem teatro faz e fala OKOKOK take it! Ufff, mais um blefezinho e agora sem sofrimentos e mais gostoso na cara do Hansen.

Entramos no último level do dia 1, com blinds 400-800 , e eu já estava morto de cansaço e muito feliz com meu dia, resolvi jogar “tight” novamente e garantir a passagem para o day 3, Consegui felizmente um pequeno pote aqui e outro ali, dessas vezes “fugindo” do Gus e fechei o dia com 29,000$ em fichas !

Continuamos essa minha etapa do WPT na parte 2 deste artigo nesta semana.

Espero que tenham gostado,

CK