Eu Amo Bad Beats

Por Geovani Alves30/06/2008

O titulo desse artigo é hipócrita e sensacionalista, vou além, e digo que é mentiroso. Eu não amo bad beats, ninguém que joga poker e sabe o significado do termo bad beat, pode gostar de bad beats. Mesmo quem está começando e já sabe que par de ás é a melhor mão pré-flop do Hold’em, acaba sentindo o efeito bad beat quando perde para um jogo inferior, muitas vezes ridiculo.

As bad beats não foram inventadas ontem, e também não são um mal que atinge apenas você. Só morre quem está vivo, e só toma bad beat quem joga.

No começo dos jogos online, muitas pessoas achavam que bad beats seriam uma forma das salas online lucrarem mais, pois forçariam a eliminação mais rápida dos jogadores num torneio, o que deixaria a sala online “livre” para outros jogos, o que, consequentemente engordaria a arrecadação de rakes das salas. Infelizmente, até alguns jogadores respeitados no cenário do poker brasileiro, acabaram levantando a bandeira contra salas online. Ridiculo e lamentável.

Como engenheiro de computação, eu consigo provar que o esforço computacional, e a complexidade de um algoritmo para aplicar bad beats, ou pior, favorecer determinados jogadores, tornaria a operação das salas onlines muito mais onerosas, tanto do ponto de vista computacional quanto do ponto de vista financeiro, do que o simples jogo justo. Uma sala com vários jogadores, só ocupa determinado espaço de memória nos servidores onde o jogo acontece, e um programa (algoritmo) para calcular e aplicar bad beats em certos jogadores, teria um custo de processamento elevado, o que é muito mais caro que o custo de armazenamento, que é o que ocorre nos jogos online.

Mito desvendado.

Eu gostaria de discorrer sobre outro aspecto das bad beats, o aspecto lógico e matemático das mesmas, deixando o lado romântico do “eu sou o maior azarado do mundo” e as teorias de conspiração, para os de raciocionio menos aguçado.

Primeiramente, precisamos lembrar de que o poker é um jogo de expectativa matemática nula, ou seja, para alguém ter uma jogada com esperança matemática positiva (+EV) seu( s )  oponente( s )  precisa(m) de uma esperança matemática negativa (-EV). No poker, o dinheiro, ou as fichas, não são criadas, elas simplesmente mudam de mãos. Por isso a ênfase dada às jogadas de esperança matemática positiva (+EV).

No entanto, o jogo de poker é um sistema fechado, não apenas na transferência de fichas de um jogador para o outro, mas também nos jogos. O jogo precisa de um vencedor, e quando a mão ocorre até o final e temos um showdown, alguém tem que ganhar. Para esse jogador ganhar, outros perderam, e para seu jogo ser o melhor é necessário que seu oponente, ou oponentes, no showdown, tenham um jogo inferior ao seu.

A beleza do poker está no fato de nenhum jogo ser imbativel no pré-flop, um jogo pode ser tornar imbativel no turn, talvez até no flop, mas nunca no pré-flop. E onde é que os jogadores mais reclamam de bad beats? Exato, no jogo pré-flop. É uma choradeira quando alguém entra de all-in com seu par de ás, é pago por um jogo marginal, como K-9, e acaba perdendo pois o board trouxe K-9, dando dois pares ao dono do K-9. Eu nunca vi ninguém reclamando de bad beat quando joga o pós-flop. Por quê? Porque se você der fold num par de ás quando percebe que está abatido, isso não vira motivo pra ficar chateado e sim motivo pra se orgulhar: “eu senti que o cara tinha feito o flush, e dei fold no meu par de ás, e pra minha surpresa o cara mostrou o flush. Eu sou um gênio, não sou?”.

Os profissionais conseguem perceber a bad beat no pós-flop, mas se fizerem um big laydown também contarão, e com razão, isso como uma vantagem, uma jogada genial, e não como má sorte. E quando percebem a bad beat no pós-flop tarde demais, pode apostar que eles não irão nos fóruns reclamar do software e da má sorte, se assim o fizerem, nem merecem o titulo de “profissionais”.

E quando seu par de ás vence o K-9? Par de ás contra K-9 é favoritissimo em mais de 6 para 1. Agora vem a má noticia: matematicamente, para que ele ganhe essas 86% das vezes em que enfrentar o K-9, ele terá que perder as demais 14%, ou seja, tomará bad beat em 14% das vezes – o empate foi desconsiderado nesse caso.

É o equilibrio matemático em jogo, e podemos afirmar que as bad beats em 14% das vezes, garantem que em 86% o par de ás sairá vencedor contra K-9. Faz sentido? Vamos entender melhor. Eu não pretendo dar uma explicação matemática mais avançada e massante, mas, o poker é regido pelas leis das probabilidades e isso pode ser percebido com o clássico exemplo do cara-coroa.

Cara-coroa, de longe, é o jogo favorito dos matemáticos para explicarem os fenômenos estatisticos. Imagine que você tem uma moeda anormal, com duas caras, ao invés de cara-coroa. Qual a probabilidade de você tirar cara jogando com essa moeda?

Matematicamente:

P(ca) = número de caras / número possivel de faces

Numericamente:

P(ca) = 2 / 2 = 1

Ou seja, eu só enrolei pra demonstrar matematicamente o que você já sabia: um jogo de cara-coroa onde as duas faces são cara, terá 100% de chance de dar cara.

Qual a probabilidade de tirar coroa jogando com essa mesma moeda? Isso mesmo, 0% de chance, pois a moeda não tem coroa, e o jogo cara é imbativel e sairá vencedor 100% das vezes.

Tem graça jogar um jogo desses? Não, o legal é jogar cara-coroa com uma moeda que tenha as duas faces. Com as duas faces, a probabilidade de tirar cara é a mesma de tirar coroa, 50% para cada lado. Nesse caso, ninguém reclamaria de bad beat, pois os dois jogos possuem a mesma probabilidade de sairem. Já reparou que ninguém reclama de bad beat quando joga AK contra um par mais baixo, no famoso coin-flip do poker? Ninguém fala: “tomei bad beat, meu AK perdeu para QQ, como sou azarado!”. É óbvio, pois todo mundo sabe que AK vs QQ é uma situação de coin-flip e QQ é favorito por uma margem bem pequena.

Para que a coroa saia 50% das vezes, nós precisamos da cara saindo 50% das vezes também, isso mantém o jogo em equilibrio, e garante que cara-coroa seja um jogo justo, onde os dois jogadores têm chances reais de vencerem. No poker é a mesma coisa. Para que o par de ás vença em mais de 80% das vezes, é necessário que ele perca 20% das vezes, isso mantém a “sanidade” do sistema, isso mantém o jogo regido pelas leis da probabilidade, isso mantém o sistema estável. Essa mesma matemática do sistema também garante os teus cálculos de jogadas +EV e -EV. Imagine se o poker fosse um jogo quântico, onde não fosse possivel saber a probabilidade de cada jogo ocorrer, e nem fosse possivel o cálculo de outs?

Portanto, anime-se, as bad beats garantem que o jogo seja matematicamente “justo” e funcional ao longo do tempo. Sem bad beats, o par de ás seria imbativel e isso seria injusto. Sem bad beats, não teriamos um jogo regrado pelas probabilidades matemáticas e teriamos o caos, sem a menor condição de fazermos jogadas +EV, ou de seguirmos a cartilha de Slanksly do bom jogo, com o menor número de erros.

Se isso não te convenceu, de que as bad beats são necessárias, tente imaginar pelo lado “sorte”. Você teve sorte de receber aquele par de ás, embora ele tenha perdido para o K-9 do adversário.

Se isso também não ajudou, tente anotar com um risco vertical numa folha de rascunho durante uma sessão de poker, todas as vezes em que o baralho te ajudou, seja transformando um jogo mediocre pré-flop, como 7-2, num monstro pós-flop, com o flop 7-2-A, pregando uma peça no seu adversário com ás na mão. Seja naquela milagrosa carta no river que te deu um full house contra o flush do seu adversário, ou seja quando você paga um all-in com KQ e acaba vencendo um AK. Também marque suas bad beats para comparar com suas “good beats”, e eu tenho certeza que você perceberá que na maioria das vezes está sendo ajudado pelo baralho, ao invés de prejudicado. Agora tome cuidado para não ficar muito dependente do baralho, pois as bad beats estão ai, elas garantem o fascinio do poker e o cumprimento das leis da probabilidade, e azar de quem não gosta delas, elas vieram para ficar.

gapão